A Bíblia não surgiu de uma vez só, nem em um único idioma. Ela foi composta ao longo de muitos séculos e escrita em três línguas antigas: hebraico, aramaico e grego. Apesar de muita gente chamá-las de “línguas mortas”, todas elas continuam vivas, algumas em pleno uso cotidiano até hoje.
Mesmo transformadas pelo tempo, essas línguas ainda ecoam nos lugares onde os acontecimentos bíblicos se desenrolaram. E o mais impressionante: suas palavras carregam, até hoje, a força espiritual que atravessou gerações.
A seguir, você vai ver uma explicação simples e direta sobre cada uma dessas línguas, por que elas importam e como influenciam a forma como entendemos a Bíblia atualmente.
A língua do Antigo Testamento
Hebraico: o idioma dos antigos israelitas
A maior parte do Antigo Testamento foi escrita em hebraico, uma língua semítica usada pelos israelitas. Ela tem algumas características bem marcantes:
- É lida da direita para a esquerda.
- Funciona em torno de raízes triliterais, geralmente três consoantes que formam o núcleo da palavra.
- Não usava vogais na escrita original.
- Também não tinha espaços entre as palavras.
Ou seja: ler hebraico antigo é quase como tentar decifrar algo assim:
MGRDNGVRTHNGLKTHS
(e ainda por cima de trás pra frente!)
Mesmo assim, esse idioma moldou toda a fé judaica e influenciou profundamente a teologia cristã.
Aramaico: a língua que Jesus falava
Alguns trechos do Antigo Testamento, especialmente partes de Daniel e Esdras, foram escritos em aramaico, um idioma muito próximo do hebraico.
Esse detalhe é especial:
Jesus cresceu falando aramaico.
Foi nessa língua que Ele conversou com o povo, ensinou os discípulos e viveu Seu cotidiano.
Existem comunidades no Oriente Médio que ainda falam aramaico até hoje.
O hebraico e o aramaico ainda existem?
O hebraico deixou de ser uma língua falada por muitos séculos, mas se manteve vivo nas liturgias judaicas. Até que, no fim do século XIX, foi revivido como língua nacional, um caso raríssimo na história da humanidade.
Hoje, mais de 9 milhões de pessoas falam hebraico moderno em Israel e no mundo.
O aramaico sobrevive em bolsões menores, mas continua presente como parte da herança cultural e religiosa.
O nome de Deus: o mistério do Tetragrama
A Bíblia Hebraica registra o nome de Deus como YHWH (יהוה), o famoso Tetragrama.
E aqui está o enigma:
ninguém sabe a pronúncia original.
Depois do exílio babilônico, a tradição judaica passou a evitar pronunciar esse nome por reverência. Durante as leituras públicas, os judeus substituíam YHWH por Adonai (“o Senhor”).
Séculos depois, quando estudiosos marcaram as vogais nos manuscritos, já não havia memória do som correto. Por isso, algumas versões modernas usam:
- Yahweh
- Jeová
Mas, por respeito à tradição e pela incerteza, a maioria das traduções simplesmente substitui YHWH por “o SENHOR”.
A língua do Novo Testamento
Grego koiné: o idioma universal da época
O Novo Testamento foi escrito quase todo em grego koiné, um tipo de grego simplificado que se espalhou após as conquistas de Alexandre, o Grande.
Mesmo que Jesus e os discípulos falassem aramaico entre si, o grego era:
- a língua mais usada no comércio,
- o idioma da cultura,
- e o meio mais eficaz para comunicar ideias entre diferentes povos.
Por isso, os primeiros cristãos escolheram o grego para registrar a vida e os ensinamentos de Jesus, alcançando o maior número de pessoas possível.
O grego ainda é falado?
Sim!
Com mudanças e evoluções, claro, mas o grego moderno continua vivo, e falado por mais de 13 milhões de pessoas. Assim como um brasileiro consegue ler Machado de Assis, um grego consegue, com algum esforço, ler o grego do Novo Testamento.
E o latim? Ele aparece na Bíblia?
Surpreendentemente, nenhuma parte da Bíblia foi escrita originalmente em latim, embora o Império Romano dominasse a região na época.
As primeiras traduções para o latim surgiram depois, culminando na famosa Vulgata, concluída por Jerônimo no século V. Essa tradução se tornou a Bíblia oficial do Ocidente por muitos séculos.
Quando a Bíblia chegou ao inglês moderno?
Alguns marcos importantes:
- 1380s — Bíblia de Wycliffe: primeira tradução completa para o inglês, baseada no latim.
- 1526 — William Tyndale: primeira tradução impressa do Novo Testamento diretamente do grego; Tyndale foi executado por isso.
- 1560 — Bíblia de Genebra: super popular entre os cristãos da época.
- 1611 — Versão do Rei Jaime (King James): a tradução inglesa mais famosa do mundo.
Por que estudar as línguas originais da Bíblia importa tanto?
Porque cada idioma carrega nuances impossíveis de traduzir completamente.
Um exemplo famoso:
“o nosso pão de cada dia” — Mateus 6:11.
A palavra “epiousion”, usada em grego para “cada dia”, aparece somente duas vezes em toda a antiguidade. Seu significado pode ser:
- diário,
- essencial,
- necessário,
- espiritual,
- ou até mesmo “do futuro”.
Os tradutores precisam escolher apenas uma opção.
Mas o original permite contemplar todas elas.
O estudo das línguas abre essa profundidade que, de outra forma, seria perdida.
A Bíblia nasce de três línguas, mas fala ao mundo inteiro
Hebraico, aramaico e grego foram os canais que Deus escolheu para revelar Sua mensagem. E, embora poucas pessoas consigam estudá-los profundamente, hoje temos muitos recursos para se aproximar dos sentidos originais:
- Comparar diferentes traduções
- Usar Bíblias de estudo com comentários especializados
- Consultar interlineares
- Ler notas teológicas e explicações culturais
- Explorar ferramentas digitais confiáveis
A Bíblia continua viva, não apenas por suas palavras antigas, mas porque, através delas, Deus continua falando com clareza ao coração humano.

